Culinária mineira está no centro da programação da 11ª edição do Madrid Fusión
Mais importante festival de gastronomia do mundo, que começa nesta segunda na Espanha, amplia fronteiras culturais do estado
Madri – Ponto de encontro de
chefs, pesquisadores, jornalistas e todo tipo de gente interessada em
gastronomia vindos de todas as partes do mundo, o congresso Madrid
Fusión começa hoje na capital espanhola, tendo a cozinha de Minas Gerais
como homenageada e, inevitavelmente, criando certa aura de mistério
junto ao público internacional. Afinal, quantos estrangeiros já ouviram
falar de ora-pro-nóbis, jabuticaba e queijo canastra, por exemplo? Até
dia 23, vários chefs do estado vão revelar ao mundo a riqueza
gastronômica mineira em aulas e palestras, dividindo espaço com estrelas
internacionais no palco que, tradicionalmente, lança tendências e
abriga discussões que reverberam pelo planeta.
Para ter ideia da
dimensão do evento, atualmente em sua 11ª edição, foi numa das suas
palestras que pegou fogo a rixa entre os chefs espanhóis Ferran Adrià e
Santi Santamaria, este último um defensor fervoroso da cozinha
tradicional, inconformado com os avanços do primeiro no revolucionário
Restaurante elBulli, a meca da gastronomia molecular, com suas espumas,
esferificações e incontáveis experiências. A julgar pela quantidade de
chefs de peso presentes (Joan Roca, Andoni Luis Aduriz e Pierre Hermé,
Elena Arzak e Quique Dacosta são só alguns), o evento promete.
Pela primeira vez, o Madrid Fusión homenageará um estado e não um país,
a exemplo das edições anteriores em que nações como Peru e Coreia
foram contempladas em sua programação. A maré está tão a favor de Minas
que os chefs do estado ainda serão protagonistas de outro feito
inédito: serão eles, em vez dos espanhóis, os responsáveis pelo
coquetel de abertura do evento, cujo extenso cardápio inclui itens como
caipirinha de pitanga, pão de queijo, paçoca de carne serenada e até
farofa de içá. Para fechar, doces de fazenda, queijo minas e café –
além de cachaça, é claro. Será hoje à noite, no Casino de Madrid.
São
cerca de 15 os chefs mineiros convidados, sendo Ivo Faria (Vecchio
Sogno, BH) e Rafael Cardoso (Atlantico, BH) os encarregados da palestra
de abertura do congresso, hoje, na qual será abordada a evolução da
culinária mineira ao longo do tempo. Rafael terá como ponto de partida a
época dos tropeiros, quando a necessidade de transportar a comida no
lombo dos animais de carga por dias pelas estradas determinava os
ingredientes e processos. Na outra ponta, Ivo falará sobre o momento em
que as famílias, já assentadas em vilas, passaram a tirar proveito do
que havia ao redor, como verduras e frutas.
O tema do Madrid
Fusión este ano é “A criatividade continua” e o ingrediente convidado,
desta vez, é o café. Sem dúvida, Minas Gerais é um produtor de café
notável em nível mundial, tanto em termos de qualidade quanto em
quantidade. O café é um dos produtos que o governo do estado, um dos
propulsores da participação mineira no evento, destacará em Madri,
formando espécie de tripé com o queijo minas e a cachaça. Não fossem as
barreiras sanitárias, muito mais poderia ser mostrado ao público
estrangeiro – houve quem planejasse levar queijos de leite cru,
verduras e frutas ao evento.
Novas rotas
Ciente
da grande vitrine que se tornou o congresso, o governo mineiro
organizou delegação composta por cerca de 80 pessoas – entre chefs,
empresários e o governador Antonio Anastasia –, apostando alto nos
benefícios que essa grande ação em conjunto poderá trazer para o
estado, sobretudo na área do turismo. A Rota do Café, de acordo com
informações da Secretaria de Estado do Turismo, está ativa desde
setembro e recebeu visitas de brasileiros e estrangeiros a fazendas de
café. A intenção estatal é criar ainda este ano outras duas rotas; não
por acaso, talvez sejam a do queijo e a da cachaça.
Por enquanto,
pensar em aumento e diversificação das exportações brasileiras como
consequência da divulgação da riqueza alimentar mineira na Espanha é
algo prematuro, como avalia o secretário de Estado do Turismo, Agostinho
Patrus Filho: “Infelizmente, não há como pensar nisso hoje. Os
produtores muitas vezes não têm nem como aumentar 20% ou 30% do que
produzem”. As rotas turísticas seriam instrumento importante para
alterar essa realidade, visto que pequenos produtores agrícolas de
destaque teriam fonte de renda extra para poder investir no próprio
negócio.
Cozinha nativa
Mas nem só de
mineiros é feita a participação do Brasil no Madrid Fusión. Com
presença numa das edições anteriores, o paulistano Alex Atala, chef do
D.O.M., atual quarto melhor restaurante do mundo segundo ranking anual
da revista britânica Restaurant, fará outra palestra, no
último dia do evento. O tema será “Brasil pré-Portugal”, contemplando a
cultura alimentar indígena brasileira, estabelecendo ligação com o que
já abordou em seu livro mais recente, Escoffianas brasileiras.
Além dele, marcarão presença outros nomes expressivos em âmbito
nacional, como César Santos (Oficina do Sabor, Olinda, PE), Mônica
Rangel (Gosto com Gosto, Visconde de Mauá, RJ), Flávia Quaresma (Rio de
Janeiro, RJ) e Wanderson Medeiros (Picuí, Maceió, AL).
Por
falar em Alex Atala, o chef viverá situação curiosa ao lado do colega
mineiro Felipe Rameh, que dará aula amanhã sobre a versatilidade da
mandioca. Antes de brilhar à frente dos restaurantes Dádiva e Trindade,
em BH, Felipe se tornou conhecido na TV como assistente de Atala,
quando atendia pelo apelido de Sansão. Agora, em Madri, ele terá a
luxuosa assistência do mestre. “A mandioca é o ingrediente que une o
Brasil”, resume o jovem chef.
* O repórter viajou a convite do Governo de Minas Gerais
Gastro Festival
O
Madrid Fusión termina quarta-feira, mas Minas Gerais continuará a
marcar presença na capital espanhola até o fim desta semana, por conta
do Gastro Festival, programação paralela de jantares ligada ao
congresso. De quarta a sexta, estão previstos seis jantares a quatro
mãos em hotéis da cidade. As duplas são Felipe Rameh (Trindade) e Paula
Cardoso (Albano’s); Guilherme Melo (Hermengarda) e Rodrigo Fonseca
(Taste-Vin); e Pablo Oazen (Assunta) e Leonardo Paixão (Glouton).
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